Mãe azul: Como é ser mãe de uma criança com autismo?
Desde o começo do mês estamos celebrando o Abril Azul, mês de visibilidade e conscientização sobre o autismo.
Pra falar sobre esse tema tão importante, pude contar com a ajuda da minha amiga Chimena Gama, professora de português, especialista em educação inclusiva e mãe do Álvaro, um garoto de 9 anos, fofo, esperto e que está no espectro do autismo.
Nas entrevistas anteriores falamos sobre diagnóstico, terapias, ingresso na escola regular e rotina. E na entrevista de hoje, a Chimena vai dar um panorama sobre como é ser mãe de uma criança com transtorno do espectro do autismo (TEA).
Logo depois da entrevista, é possível checar algumas explicações sobre os termos em negrito.
ÉRICA: Qual é o aspecto mais difícil de ser mãe de uma criança que está no espectro?
CHIMENA: Puxa... que difícil dizer o que é mais difícil... Cada vez é uma coisa. Aí nos acostumamos e vem outra. O que me faz chorar às vezes é falta de ter com quem dividir. Quero dizer, eu e meu marido dividimos tudo, mas não temos tempo para nós (um para o outro). De uns tempos para cá, começamos a sair sozinhos ou com amigos para nos distrairmos, mas não queríamos isso, sentimos falta de ser só nós dois. Não existe o momento em que ele vai a casa do coleguinha para nós ficarmos juntos. Ele só dormiu fora poucas vezes, nos meus sogros em São Paulo, mas eles moram em prédio e ficamos apreensivos. Não ter esse "tempo", ser 24 horas mãe de um autista (e uma das estereotipias do Alvi é gritar), ouvindo barulho... grita. E tem também a questão do sono. Ele tem problemas graves de sono (outra comorbidade) e já chegamos a ficar meses sem dormir.
E: Qual foi o momento mais feliz que você já teve como mãe do Alvi?
C: Eu já tive tantos momentos felizes como mãe do Alvi que não sei nem descrever. Um foi ontem! Ele estava brincando com bonequinhos que ele chama pelo nome de um casal de amigos nossos. Há pouco tempo, ele começou a brincar de jogo simbólico, mas os "personagens" da brincadeira são sempre os "tios" que ele conhece e seus filhos. Ele sempre coloca os bonequinhos em uma casa do Batman, que ele diz que é a casa da família e fica colocando ali dentro coisas que ele sabe que eles têm. A brincadeira é sempre a mesma, mas ontem ele deu um passo além: começou a pegar os bonequinhos e dizer "Oi, Arthur!", "Oi, Cecília!", como se um falasse com o outro!
E: Qual é a coisa mais gostosa de ser mãe do Alvi?
C: A coisa mais gostosa de ser mãe do Alvi... é ser mãe do Alvi! Não sei explicar, mas o Álvaro é quem ele é. Assim, autista. Não há outro, nunca houve, então, sem autismo, eu teria outro filho. E eu amo tanto esse! [risos] Eu adoro seu pé. E ele aprendeu uma brincadeira comigo, em que eu cheiro o pé dele e falo "pé chulé!" e adoro brincar disso. Quando ele quer cantar junto. Quando ele espontaneamente me abraça. E ele está ficando a cara do meu pai! Que delícia ficar olhando para ele... São muitas coisas gostosas.
E: Sei que todos falam que o Alvi se parece mais com o pai, mas e em relação à personalidade, com quem ele se parece mais?
C: Puxa.. não sei... Eu tenho algum apego à rotina, que acho que é meu lado autista, mas isso, nele, acho que é do autismo, né, e não personalidade. Ele adora rua, como eu... [risos] É teimoso, isso é do Edu... [risos] Às vezes é difícil separar o que é personalidade e o que é autismo...
Para entender melhor
A solidão do cuidador
A solidão é um sentimento muito comum entre aqueles que cuidam de pessoas com necessidades especiais. As frequentes demandas, a falta de descanso, as preocupações e a privação do sono podem ser agentes muito tóxicos a longo prazo, podendo levar a quadros de stress, depressão e até mesmo à fragilização da saúde do corpo físico, que pode adoecer. Além disso, os núcleos familiares hoje em dia tendem a ser cada vez menores e a viver em grandes centros, longe de outros membros da família, que poderiam representar uma rede de apoio importante na hora do cuidado com as crianças.
Muitas vezes os cuidadores abrem mão de seus trabalhos e acabam por se encontrar numa situação em que há uma constante necessidade de controle emocional diante de situações desgastantes, somada à falta de tempo para si mesmo e a uma tendência ao isolamento social. Portanto, é importante que eles saibam que cuidar de si mesmos deve ser uma prioridade, pois só assim poderão estar saudáveis para cuidar daqueles que amam.
Pedir a ajuda de profissionais e participar de grupos que vivam situações semelhantes podem ser excelentes oportunidades para compartilhar experiências com pessoas que de fato possam entender sua vivência. E, claro, é vital criar oportunidades de momentos de descanso, contando com a ajuda da família, de profissionais ou de amigos. Ajuda financeira e elogios são mais do que bem-vindos, mas o ideal seria que as pessoas do entorno e a família também se organizassem para periodicamente ajudar os membros dessa família a ter tempo para si mesmos e a ter algumas noites despreocupadas de sono.
Problemas de sono
Problemas de sono são uma comorbidade muito comum entre as pessoas que têm transtorno do espectro do autismo (TEA). Há uma tendência à dificuldade para dormir e ao sono mais leve, com frequentes despertares e menor duração do sono. E essa dificuldade para dormir acaba por afetar a qualidade do sono de toda a família. As pesquisas sobre as causas dessa associação entre autismo e distúrbios do sono ainda não são definitivas, de forma que, considerando o amplo espectro do autismo e as particularidades de cada pessoa, as causas e os tratamentos devem ser analisados e escolhidos caso a caso. Dormir bem implica em melhorar uma série de sintomas do TEA, como irritabilidade, estereotipias e dificuldades de aprendizagem. Vale a pena procurar ajuda.
Jogos simbólicos
Os jogos simbólicos são as famosas brincadeiras de faz de conta. São brincadeiras em que as crianças exercitam a imaginação, a criatividade e ensaiam situações do dia a dia, fingindo ser a mãe ou o pai, criando histórias para bonecos, fazendo a vassoura de cavalinho etc. A partir disso, elas se preparam para situações sociais, elaboram suas vivências, organizam seus pensamentos e aprendizados.
Como vimos na primeira parte da entrevista com a Chimena, crianças com autismo têm uma dificuldade maior em relação ao pensamento abstrato e são muito apegadas ao concreto, o que dificulta a utilização do jogo simbólico como recurso para o desenvolvimento. Mas, mesmo que a princípio não haja interesse da criança, vale a pena incentivá-la a se engajar nesse tipo de brincadeira, sempre, claro, respeitando o tempo dela.
Na próxima e última parte desta entrevista, vamos falar de visibilidade e inspiração.
Vale a pena checar as partes anteriores, que falam sobre diagnóstico, tratamento, ingresso na escola regular e rotina.
No perfil da Chimena no Instagram, você encontra mais conteúdo bacana sobre autismo. Vale a pena seguir!