Mãe azul: ingresso na escola regular

Para celebrar o Abril Azul, mês de conscientização sobre o autismo, entrevistei minha amiga Chimena Gama, mãe do querido Álvaro (mais conhecido como Alvi), um garoto de 9 anos que está no espectro.

Como tinha muito conteúdo legal, dividi essa entrevista em partes, que estão sendo publicadas durante este mês, às segundas e quartas-feiras.

Em cada uma dessas partes, a Chimena conta sua experiência como mãe de uma criança que tem transtorno do espectro do autismo (TEA) e depois eu dou algumas explicações rápidas sobre conceitos e expressões ligados ao assunto (estas expressões aparecem em negrito).

Na parte 1 falamos sobre o diagnóstico e na parte 2 falamos sobre terapias. Se você perdeu, corre lá porque está muito legal!

Agora seguimos para a parte 3, para conversar sobre outro assunto superimportante: o ingresso na escola regular.

Photo by Wonderlane on Unsplash.

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ÉRICA: Sei que o Alvi frequenta a escola regular. Que tipo de apoio a escola oferece para ele? Ele tem acompanhante?
CHIMENA: Alvi estudou na mesma escola até o ano passado. A escola começou a oferecer mediação quando ele estava com uns 5 anos, mas nós já tínhamos uma AT (acompanhante terapêutica) lá com ele. Quando ele começou a fazer ABA [análise do comportamento aplicada], ofereceram (a clínica de ABA) esse acompanhamento escolar e a escola permitiu. Algum tempo depois, a coordenadora veio me dizer que, por lei, é a escola que deve oferecer profissional para mediação. Ocorre que meu filho não fala. Para nós... é tão mais seguro (interiormente mesmo) ter alguém que conhecemos e que é contratado por nós! Muitas escolas não permitem. Mas também ouvimos muito falar de ofertas de mediadores sem nenhum preparo... é complicado.

E: Como o Alvi aprende? Que tipos de recursos mais ajudam?
C: Alvi aprende pelo visual e com a utilização de material derivado do hiperfoco. Aliás, esse segundo "método" a escola nunca usou, eu que utilizo em casa com ele. Pego um vídeo ao qual ele anda muito ligado e uso os personagens, o assunto, tudo o que puder a meu favor, para lhe ensinar algo. Dá certo. A utilização de imagens também é fundamental. O concreto é tudo para ele.

E: Que conselhos você daria para os pais que estão procurando escola regular para uma criança que tem autismo?
C: Para pais que procuram escola regular eu aconselho a não desistirem. Nós recebemos recusa de várias ano passado, foi muito desgastante e humilhante. Mas é DIREITO dos nossos filhos. Precisam persistir. Outro conselho (algo que aprendi ano passado): não vão entrando e falando tudo o que é mais difícil na sua criança que a escola assusta! Eu já entrava, falava que era autista, falava tudo o que não fazia, que precisava de adaptação de material etc. etc. Meu marido que chamou minha atenção: parecia que eu fazia uma baita propaganda negativa do meu filho! E ele é tão inteligente! Ele é tão alegre! Precisa dizer que a criança é autista. Pronto. E a escola que se disponha a cumprir a lei.


Para entender melhor

Direito à educação
É preciso que os pais ou responsáveis saibam que a matrícula na escola regular é um direito básico de qualquer criança e que, tanto na rede pública quanto na privada, recusar a matrícula de uma criança que esteja no espectro é crime, previsto nas leis 7.853/1989 (Apoio às Pessoas Portadoras de Deficiência),* 12.764/2012 (Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista)** e 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência).***
Portanto, alegações de que a escola não tem infraestrutura para atender a criança ou de que o limite para crianças especiais por sala já foi atingido não são justificativas válidas e podem gerar denúncia na Secretaria da Educação e no Ministério Público, bem como processo por danos morais. Caso os pais recebam esse tipo de retorno da instituição, uma boa providência é solicitar o motivo da recusa por escrito para que as medidas legais sejam tomadas.
Não podemos subestimar a dificuldade das instituições de ensino para adaptar e atualizar conteúdos, ambientes e profissionais, ainda mais levando em consideração que cada criança é única e tem suas próprias dificuldades, mas é importante que essas instituições entendam que é fundamental investir no acolhimento e na integração da diversidade.
A vivência escolar tem um papel muito importante no desenvolvimento social e emocional das crianças, que têm a oportunidade de estar junto a colegas da mesma idade, bem como de ter outros adultos como referência e em quem confiar.
É certo que estar num ambiente que acolhe a diferença é saudável para todas as crianças e não só para aquelas que necessitam de suporte extra para integrá-lo.

*“Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico.”
**“O gestor escolar, ou autoridade competente, que recusar a matrícula de aluno com transtorno do espectro autista, ou qualquer outro tipo de deficiência, será punido com multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários-mínimos.”
***“Constitui crime punível com reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa (...) recusar, cobrar valores adicionais, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, em razão de sua deficiência”.

Direito à mediação
Muitas vezes, não basta garantir à criança a possibilidade de se matricular numa instituição de ensino se dentro do ambiente escolar ela fica marginalizada e alheia às atividades acadêmicas e sociais.
No caso das crianças que têm transtorno do espectro do autismo (TEA), o acionamento de um acompanhante terapêutico (AT) pode ser um recurso importante quando há necessidade de suporte para que elas acompanhem melhor a rotina e os conteúdos ensinados na escola. Este também é um direito da criança — Lei 12.764/2012 (Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista).*
Porém, ao contrário do que pode parecer, a função do AT não é promover dependência, mas autonomia, e contribuir para que o cotidiano dessa criança seja mais adaptado às suas necessidades. Nas instituições particulares, é tarefa da escola disponibilizar um acompanhante terapêutico quando surge a necessidade da presença deste profissional, sem cobrar nenhuma taxa adicional da família — Lei 7.853/1989 (Apoio às Pessoas Portadoras de Deficiência).**
Também compete à escola, e não ao AT, a adaptação de conteúdos e atividades. O profissional deve saber se colocar à disposição quando se fizer necessário e não assumir o protagonismo do ensino (que cabe ao professor) nem fazer tudo para a criança, impedindo seu desenvolvimento. Exercendo seu papel de mediador, o acompanhante pode ainda orientar professores e funcionários sobre como acolher melhor a criança que está atendendo.
A lei não deixa clara qual deve ser a formação do AT, até porque as necessidades variam de pessoa para pessoa — Decreto 8.368/2014.*** O profissional ideal, na maior parte das vezes, é um educador especial. É muito comum, porém, que a escola lance mão de estagiários dos cursos de pedagogia e psicologia por uma questão de economia — daí a reclamação sobre despreparo dos profissionais e a importância de que o AT receba orientação e apoio da equipe que acompanha a criança.

*“Em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular (...) terá direito a acompanhante especializado.”
**“Às instituições privadas, de qualquer nível e modalidade de ensino, aplica-se obrigatoriamente o disposto (...), sendo vedada a cobrança de valores adicionais de qualquer natureza em suas mensalidades, anuidades e matrículas no cumprimento dessas determinações.”
***“Caso seja comprovada a necessidade de apoio às atividades de comunicação, interação social, locomoção, alimentação e cuidados pessoais, a instituição de ensino em que a pessoa com transtorno do espectro autista ou com outra deficiência estiver matriculada disponibilizará acompanhante especializado no contexto escolar.”


Espero que vocês tenham gostado! Na próxima entrevista a Chimena vai falar sobre o dia a dia e sobre como têm sido as coisas para eles durante esta quarentena.

Confira também as demais partes da conversa, com reflexões sobre diagnóstico, tratamento, rotina e maternidade.

Clique aqui se quiser continuar acompanhando a Chimena.

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